quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Pearl Jam - Wishlist (1998)

Eu devia estar aqui a escrever sobre o maravilhoso disco do Kurt Vile ou o do Mazgani, ou então de todas aquelas coisas boas que tenho ouvido ultimamente e que estão em lista de espera. Mas teve de ser. Bom ano para todos os que vão passando por aqui e, para aqueles que voltam e que uma vez e outra não encontram nada novo, saibam que por aqui há sempre música todos os dias. Quer cá esteja em palavras, quer não. :)

Quando comecei a ouvir Pearl Jam, Wishlist era aquela canção de que eu menos gostava. Ouvia- a na rádio e ficava incomodada, inquieta. Se passava enquanto dormia, sobressaltava-me, perturbava-me. Talvez não compreendesse completamente a mensagem (há coisas que só os anos nos dão) e a sonoridade não era a clássica da banda de Seattle. Não sei se era por isso, mas pode ter sido.

Um dia – um qualquer dia – ouvia-a de outra maneira. E a canção que outrora eu passava à frente ou fingia não ouvir quando ia no carro, passou a significar outras coisas. Na verdade, passou a significar, ponto. Nesse ano - também nos últimos dias desse ano – fiz a minha wishlist, com excertos da música e desejos meus. Eram centenas. De todos os feitios, uns fáceis, outros difíceis de concretizar. Coisa de adolescente, o objectivo era riscar cada sonho à medida que fosse sendo cumprido. Com data e a cor diferente e tudo. Dobrei as folhas e guardei-as dentro de um livro. Durante alguns anos lá ia eu, a cada conquista, riscar a frase correspondente ao desejo realizado. Depois, como todas as coisas de adolescente, também a wishlist foi ficando esquecida. Há anos que não risco nada naquelas páginas, apesar de os últimos anos me terem dado bons motivos para isso.

Mais um ano chega ao fim e voltei a lembrar-me de Wishlist, já, e merecidamente, no saco das grandes canções. Há uma versão de que eu gosto particularmente: a tocada ao vivo, no Madison Square Garden, em Agosto de 2003. “I believe.”, começa por dizer Eddie Vedder, e depois começa o inesquecível riff de guitarra. Por cima do público há uma bola de espelhos. Arrepio-me sempre que ouço a guitarra de Vedder a distorcer. Leva as mãos à cabeça, estala os dedos, volta para a guitarra límpida e solta um estonteante “Fuck the pessimists. Fuck ‘em!”. O público aplaude. “This proves that dreams could be a good thing”, continua o vocalista, e agradece aos Buzzcocks, companheiros da noite. Incita o público a cantar.
“That’s fuckin’ beautiful”. Eu também acho, e por isso é que esta é a música do dia, do último dia do ano.
As canções são coisas vivas quando as bandas fazem delas coisas vivas.
Wishlist, os Pearl Jam no Madison Square Garden.
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“And it feels so real I can feel it, and it tastes so real I can taste it, and it sounds so real I can hear it… But why can’t I touch it?”

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Mayer Hawthorne - Just Ain't Gonna Work Out (2008)

Era sexta-feira 13. Sem pensar sequer em superstições ou azares, fiz o meu percurso habitual para o trabalho, em modo quase automático. Mas nessa sexta não passei, como costuma ser hábito, pela papelaria da estação de metro. Passei as cancelas, esperei os habituais segundos pelo metro, sentei-me, mas não pus os phones nos ouvidos. Não tinha jornal para ler, nem música para ouvir. Nesta distracção do nada fazer, falhei a estação de saída, e em vez de ter descido na Baixa, como todos os dias faço, fui dar um breve passeio até à estação de Santa Apolónia.

Nessa sexta-feira 13, o Ípsilon escrevia sobre Mayer Hawthorne. Não comprei o jornal nessa manhã. Nos dias seguintes, passei pelo site do suplemento e, como sempre, reparei nos títulos principais (ler a sério, só no papel e a bordo do metro). O nome não me dizia nada. Retive as palavras "crooner" e "soul clássica", "copo de leite", "coração negro" e a imagem engraçada do músico americano. Não li o artigo logo. De cada vez que entrava no site, uma expressão diferente saltava à vista. Uma noite "o branco mais preto de 2009" bateu-me nos olhos. Juntei a engraçada frase às excelentes referências (o melhor disco de soul, o descendente da Motown, Whinehouse versão masculina...) e nessa noite não resisti e li o artigo e procurei logo a página Myspace de Hawthorne.

Já não terminei de ler. Fiquei completamente rendida. A tudo. Mayer Hawthorne é mesmo um branco com alma de negro - os grandes da melhor tradição Motown. Faz soul clássica, mas não está preso ao passado. A música deste americano - que também é Dj, rapper, engenheiro de som, multi-instrumentista e produtor - soa a hoje. A um hoje que pisca o olho aqui e ali. Maybe So, Maybe No faz me querer dançar, este Just Ain't Gonna Work Out já está entranhado ao ponto de dar comigo a cantarolar histórias de desgraças amorosas como se isso fosse a coisa mais bela do mundo. É que na voz de Hawthorne é mesmo a coisa mais bela do mundo. Há charme, mas não em demasia e a figura do música contraria toda aquela ideia gasta do Don Juan.

Hoje parece que tudo o que é old school é moderno. Nem tudo. Mas em Hawthorne, o facto de fazer as coisas à moda antiga também me conquistou: primeiro vêm os singles, em vinil, como manda(va) a tradição. E se um 7 polegadas em forma de coração, bem vermelho, pode parecer coisa pirosa, meus amigos, pelas mãos de Hawthorne qualquer resquício de coisa kitsch e demodé vai à vida.

Usar risco ao lado, colete, fato, gravata, óculos grandes de massa, ser branquinho, low-profile, lançar singles em vinil (em forma de coração ou a imitar pele de corcodilo), falar com todas as letras de amores e desamores, voltou a ser não só muito cool, como deliciosamente sexy!

Com Mayer Hawthorne.


Eu já encomendei toda a discografia. Vinil em forma de coração incluído. Aconselho toda a gente a fazer o mesmo.

Just Ain't Gonna Work Out, Mayer Hawthorne. Quero este homem em Portugal! Já!

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"Don't wanna see your tears
Baby it will be ok
Don't wanna see you cry darling
No way!
But it just don't feel the same
(just don't feel the same)
I know what you're about
(I know what you're about)
And I guess that I don't love you anymore

And I'm sorry, but it just ain't working out
I'm sorry, it just ain't gonna work out"

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Bob Dylan - Blowin' In The Wind (1962)

Em 1962 Bob Dylan escreveu Blowin' in the Wind. Ou melhor, não escreveu. A canção já lá estava, quando ele chegou, disse, da primeira vez que a apresentou ao vivo.

Hoje, quase 50 anos depois, ouço a canção numa rádio on-line. Não consigo. Tenho de parar o que estou a fazer para ouvi-la com atenção, uma vez mais. Atento em cada verso.

À medida que as perguntas se sucedem, sinto-as como minhas. Não há ninguém que não as tenha feito. São as perguntas que, conforme embatem, são capazes de magoar, de rasgar. São as perguntas que fazemos para dentro e as que fazemos ao mundo. São as perguntas constantes, eternamente perguntas. Podem parecer retóricas, mas não as queremos assim. Levamos as mãos à cabeça e formulamo-las outra e outra vez. Cada vez mais interrogativas, à medida que se repetem são assim estas perguntas.

E a resposta, meus amigos... A resposta, essa... A resposta... is blowin' in the wind.

Para o caso de haver uma única alma em dúvida, mais uma oportunidade para perceber que se fala de um génio quando se fala em Bob Dylan.

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"How many roads must a man walk down
Before you call him a man?
Yes, 'n' how many seas must a white dove sail
Before she sleeps in the sand?
Yes, 'n' how many times must the cannon balls fly
Before they're forever banned?
The answer, my friend, is blowin' in the wind,
The answer is blowin' in the wind.

How many years can a mountain exist
Before it's washed to the sea?
Yes, 'n' how many years can some people exist
Before they're allowed to be free?
Yes, 'n' how many times can a man turn his head,
Pretending he just doesn't see?
The answer, my friend, is blowin' in the wind,
The answer is blowin' in the wind.

How many times must a man look up
Before he can see the sky?
Yes, 'n' how many ears must one man have
Before he can hear people cry?
Yes, 'n' how many deaths will it take till he knows
That too many people have died?
The answer, my friend, is blowin' in the wind,
The answer is blowin' in the wind."

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Charles Wright & The Watts 103rd Street Rythm Band - Express Yourself (1971)

No final dos anos 60, e em plena década de 70, depois dos hippies, a mensagem de liberdade veio da voz e do suor da comunidade afro-americana. Talvez não tenha sido uma revolução tão política, como foi a dos hippies, mas o funk fez a revolução do corpo. Tanto por explorar ritmos que se infiltram nos corpos e os fazem dançar de todas as maneiras e feitos, como pelas mensagens que passa: faz aquilo que tens que fazer. Aquilo que gostas. Solta-te.

Para mim, toda a essência da mensagem funk está neste Express Yourself, embora não seja o mais efusivo dos clássicos do género. É que está lá tudo. O assumir de uma sexualidade que faz bem, o reconhecimento (e mais que isso...) do corpo, a liberdade de se ser quem é e de o dizer sem preconceitos. É um hino à tua liberdade mais íntima, àquela que, nestes tempos tão modernos, parece ficar esquecida, relegada para segundo plano. Somos livres, democraticamente livres, legalmente livres, mas nem todos conseguimos o prodígio de sermos livres connosco próprios. O funk é isso.

Também é ritmo, também é dançar até que os pés doam e o suor escorra pela cara e pelas costas abaixo, também é libertação do corpo e da mente. Também, também...

Express Yourself, de Charles Wright, não é um pedido. É uma ordem.

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"Some people have everything, and other people don't.
But everything don’t mean a thing if it ain´t the thing you want.
Express yourself!"

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Não podia deixar de lembrar aqui a perda que foi a morte inesperada de António Sérgio. Foi também por causa dele e da sua Hora do Lobo que me apaixonei pela rádio, que me apaixonei cada vez mais por música e pela divulgação. Talvez a única forma verdadeiramente digna de se lhe prestar homenagem, para além de todas as palavras, é continuarmos todos a ouvir e a apoiar a boa música que se faz, aqui e ali.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Alice In Chains - Last Of My Kind (2009)

Dei comigo a pensar, durante toda a semana, sobre as bandas que "substituem" membros. Geralmente o resultado desilude. Lembro-me da reunião dos Queen sem Freddie Mercury ou dos Doors sem Jim Morrison ou até dos Guns 'n' Roses sem... toda a gente menos Axl Rose.

Mas nem sempre é assim. Os AC/DC, por exemplo, souberam continuar sem o malogrado Bon Scott, e Brian Johnson quase fez esquecer o anterior vocalista, tal foi a simbiose perfeita com a banda. Sei que ainda é cedo, mas é mais ou menos esta a sensação que tenho quando ouço Black Gives Way To Blue, o novíssimo álbum dos Alice in Chains. O 1º sem Layne Staley. William DuVall acenta que nem uma luva na sonoridade do grupo, muito embora a herança de Staley, a importância e o carisma do eterno líder dos AiC, seja insubstituível. Para mim, os Alice in Chains são e sempre serão a banda de Layne Staley e Jerry Cantrell. Infelizmente, o primeiro já cá não está. Mas está DuVall para homenageá-lo, para dar continuidade, em respeito, ao seu trabalho.

Não estava à espera de encontrar todos os pontos característicos da sonoridade dos AiC no álbum, muito embora A Looking In View, o primeiro single desse a entender que assim seria. Estão lá as guitarras distintivas do grunge impregnado de metal, estão lá as letras, está a voz de Cantrell a ajudar, a introdução de Check My Brain não me sai da cabeça (como antes tinha acontecido com Again ou We Die Young), a melancolia de Your Decision agarra-se à pele, Acid Bubble é uma canção cheia de camadas por descobrir, Black Gives Way To Blue é quase um Down in a Hole mais reconciliado e o refrão deste Last Of My Kind é qualquer coisa...

É talvez nas canções menos agitadas que se sente mais a falta que faz o carisma, a voz inconfudível de Layne Staley. De resto, Duvall é um vocalista competentíssimo para os Alice in Chains. Todo o disco cheira a homenagem. É um conceito um pouco difícil de explicar. Não sei em que é que Jerry Cantrell estava a pensar. Não sei como as coisas se deram. Mas ao ouvir Black Gives Way To Blue não sinto qualquer pudor, qualquer medo de trair a memória de Staley, sinto sim um enorme respeito por um trabalho de anos, que marcou muita gente.

Marcou-me a mim, seguramente. E é bom sentir isso de novo.

Dizia um jornalista, há tempos, que, onde quer que estivesse, Staley estaria com certeza a sorrir. Também não tenho dúvidas nenhumas disso.

Last Of My Kind, os Alice in Chains.

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"Trapped in the cold outside
There ain't no shelter
They wanna force my hand
Until I...

Take what I wanted, and
Break all the lies that they
Feed the fuckin' liars...
Smash all the temples, and
Crawl through the rubble, and
Cry to the fallen

I'm the last of my kind still standing
I'm the last of my kind still standing down the law"

domingo, 4 de outubro de 2009

The Legendary Tigerman & Cláudia Efe - Light Me Up Twice (2009)

Há já alguns meses que ando a ouvir Femina, ainda que inacabado, por conta de um trabalho que fiz. E só Deus sabe o esforço que fiz para não começar a falar aqui das brilhantes canções do novo álbum do alter-ego de Paulo Furtado, uma por uma.

Depois de alguns atrasos, aquele que é mais que um simples disco de duetos com mulheres, chegou no dia 28 aos escaparates. A Fnac do Chiado encheu nessa segunda-feira e o Lux também, na quarta, para ver o (cada vez menos) solitário homem-tigre.

Desde os primeiros minutos que Femina me deixou rendida. A ideia é brilhante, mas mais brilhante ainda é a forma como é executada. A escolha das vozes femininas que povoam o disco foi improvável mas certeira. Podia ter-se ficado por meia dúzia de clichés, podia ter explorado apenas e só a fórmula mágica do dueto, mas é claro que Paulo Furtado não queria ir por aí. Sou fã confessa do trabalho do músico de Coimbra, ainda assim surpreenderam-me, sem excepção, todos os temas. Gostei das sonoridades (mesmo das mais ovni) diferentes que Tigerman escolheu em função das convidadas, adorei as letras, as cumplicidades que se criaram e que se ouvem. Arrisco-me a dizer que este é um dos álbuns nacionais do ano, senão mesmo o álbum do ano.

Life Ain't Enough For You podia não ser o single óbvio, à primeira vista. Acaba por ser tanto mais óbvio quanto mais se conhecer a história por detrás de Femina e que tem como "musa principal" Asia Argento. As minhas primeiras audições puseram no meu top 5 & Then Came The Pain, com Phoebe Kildeer: um tema forte, com um diálogo tenso e umas guitarras de cortar o fôlego. Depois apaixonei-me por Becky Lee e o seu pé bêbedo de I'm in Love With An Old Fashioned Man, mas principalmente por culpa de No Way To Leave on a Sunday Morning, em que acompanha um Paulo Furtado num registo delicioso. Em She's a Hellcat, Peaches contribui com o seu "pequeno rap", Furtado aventura-se por outras sonoridades. Maria de Medeiros dá a These Boots Are Made For Walkin' uma inocência para lá de deliciosa (embora não ache o tema merecedor de honras de 2º single...), e My St0mach is The Most Violent Of All Of Italy mostra uma Asia Argento bem diferente da do 1º avanço.

Ao vivo as coisas ganham sempre outra dimensão, para mim (e calculo que para os artistas ainda o seja mais) é quase como fazer uma prova dos 9 em presença. No Lux, Lisa Kekaula pôs o público em alvoroço com uma presença desarmante. 20 horas de viagem para encher aquele palco durante os pouco mais de 2 minutos irrepreensíveis de The Saddest Thing To Say, o tema mais soul do álbum. Apesar de me ter parecido a colaboração mais apagada no disco, ao vivo Rita Redshoes surpreendeu-me. Mais com o deslumbrante (e agora revelado) Hey, Sister Ray do que com a cover para Lonesome Town. Apaixonei-me completamente pelo vozeirão de Cibelle, cujo trabalho conhecia pouco, e que ainda não tinha ouvido com Tigerman. Esperei ouvir Radio & TV Blues, o tema que Paulo Furtado diz - e eu também concordo - ter o melhor verso de todo o álbum: "Give me some red poison mixed with LSD, 'cause it makes me feel so much better than fuckin' MTV".

Outro dos grandes versos de Femina é o que abre este Light Me Up Twice, com Cláudia Efe. Para confirmar. The Legendary Tigerman & Cláudia Efe.

(Ah, e escusado será dizer que este é um álbum mais que obrigatório. É vital.)
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"God is everywhere. Under a woman's skirt and inside a man's pants."

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Xutos & Pontapés - Não Sou o Único (1987)

No sábado estive no Restelo. Eu e mais de 40 mil pessoas. Para ver os Xutos & Pontapés.

Quando entrei o emaranhado de gente já passava - e muito - do meio campo. Furámos por entre o público mais ecléctico que se possa imaginar. Novos, velhos, de preto, de branco, com maquilhagem ou suor no rosto, com copos de cerveja ou tubos de pasta de vodka na mão, uns pequeninos pelas mãos dos pais, uns sentados no chão, outros de pé, muitos lenços vermelhos, brancos e laranja, muitas t-shirts, bandeiras e bóias. Cheiro a tabaco, charros, transpiração e álcool. Muitos repetentes, poucos estreantes. Uns mais no espírito que outros.

Ficámos junto ao prolongamento do palco. Eu e o meu irmão fazíamos apostas sobre a canção de abertura. Concordámos que seria do novo e homónimo álbum. Talvez não fosse o single, muito menos seria Sem Eira Nem Beira, que só podia estar guardada lá mais para a frente. Apostei em Tetris Anónimus. O Fábio ganhou. Afinal foi mesmo Quem é Quem que abriu a noite.

O que se passou nas 3 horas seguintes nem toda a gente entende. Só quem cresceu a ouvir os Xutos é que percebe o que se sente ali no meio. Não é preciso ter estado lá, na cave, em 79. É preciso ter crescido ao som disto, tenha sido nos anos 70, 80, 90 ou 2000.

Já perdi a conta às horas que passei a ouvir os discos, os concertos a que fui, as coisas que li. Não há outra banda que me diga mais. Das canções mais antigas às mais recentes, estão lá muitos episódios, muitos ideiais partilhados, muitas histórias de vida, muitas preocupações, muitos desabafos. Está lá isso tudo. Quantas vezes não pensei na Morte Lenta, no Medo, nas palavras de Quando Eu Morrer rabiscadas nos cadernos da escola? Comigo também era sempre assim: eu sei lutar até ao fim, é tudo ou nada, como na canção que eu adorava ouvir também na voz do Tó Trips, dos Lulu Blind.

Mais tarde senti o que era a vontade de embarcar nos Barcos Gregos: faltava-me o ar, faltava-me o emprego p'ra cá ficar. Por vezes vi a vida torta, jamais se endireitava, como num Circo de Feras. Apaixonei-me vezes sem conta ao som de Conta-me Histórias. Ainda hoje não conheço versos tão sábios como os do Homem do Leme. Vi tantos filhos da puta sem razão e sem sentido nesta cidade, quis deixar a carga pronta e metida nos contentores. Disse Olá à vida Malvada, aprendi a tocar guitarra com N'América. Quis tudo À Minha Maneira, fiz filmes inspirados em Enquanto a Noite Cai, arrepiava-me com Doçuras. Diverti-me com Para Ti Maria e Sou Bom. Chorei muitas vezes ao constatar que vivia num Pêndulo imparável. Gritei Gritos Mudos, acreditei num Futuro Que Era Brilhante. Acordei em Lugar Nenhum tantas vezes, apanhei tanta chuva dissolvente no meu caminho de casa... Ainda hoje acho que está tudo mal, tudo mal, que a política está em estado de Estupidez, que o dinheiro para mim não conta, eu trabalho por prazer, mas também sabe bem ter um ordenado ao fim do mês, um dia de S. Receber. Fui uma ovelha negra, carneiro preto, fui direito ao deserto. Já não tenho paciência para as misérias de quem manda nesta terra do sem-querer, nem para jogos do empurra. Dei muitos mergulhos no mar e espero continuar a dar. Vi o panóptico das aulas da faculdade em Privacidade. Tantas e tantas vezes senti que tinha chegado o momento de correr tanto ou mais que o vento, de correr tanto ao mais que o tempo... ah, mas não foi assim. Desci ao Inferno, vi o Mundo Ao Contrário, passei pela Zona Limite, projectei a minha própria Sombra Colorida. Pensei para comigo que na verdade eu não sou de cá, vivo em permanente Estado de Dúvida, e não há nada melhor que o Amor Com Paixão. Vejo Sócrates e todos os outros políticos em Sem Eira Nem Beira.

Sei que não sou um caso isolado, não sou a única. Não!

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"Pensas que eu sou um caso isolado
Não sou o único a olhar o céu
A ouvir os conselhos dos outros
E sempre a cair nos buracos
A desejar o que não tive
Agarrado ao que não tenho
Não, não sou o único
Não sou o único a olhar o céu"