A minha visita de sábado a esse templo de coisas usadas que é a Cashland rendeu-me, nada mais nada menos, que a grande pérola da discografia de Amália: um 45 rotações de O Senhor Extraterrestre.
Achados destes não acontecem todos os dias. Nos cestos de discos de vinil usados amontoam-se muitas coisas sem qualquer interesse: os típicos discos de conjuntos da música popular portuguesa, muita música romântica francesa e brasileira, best of radiofónicos, ente outros. Mas há dias em que a sorte está connosco. As dores nos joelhos, de vasculhar os cestos no chão, já me valeram coisas bem interessantes: Breakfast in America, dos Supertramp, a poucos cêntimos, capa muito velhinha, mas o vinil, em muitíssimo bom estado, ainda rodou muitas vezes no gira-discos dos meus pais; um 45 rotações dos Bon Jovi, que fez as delícias do meu irmão mais novo; um álbum duplo dos Simple Minds ao vivo, mais carote; dois discos dos Kajagoogoo; um dos Police, The Century, Rod Stewart e, meus senhores, a pérola das pérolas, este O Senhor Extraterrestre de que hoje vos falo. Com este 45 rotações de Amália, rivaliza O Feitiço de Ney Matogrosso, a melhor capa que já vi até hoje.
Agarrei-me logo à capa colorida d' O Senhor Extraterrestre porque, desde que tive conhecimento desta bizarra composição no Há Vida em Markl, nunca pensei que fosse possível encontrá-lo assim, num cesto da Cashland entre Roberto Leal e Art Sulivan. Aliás, O Senhor Extraterrestre podia bem ser um mito. Nunca ter existido.
Mas existe. Uma grande rodela de vinil amarelo-transparente. Agora orgulhosamente em exposição na minha sala. Quero agradecer publicamente à antiga proprietária pelo facto de O Senhor Extraterrestre ter pousado agora o seu ovní na minha alegre casinha. Dona Adelaide, os meus obrigados.
Passo a explicar o porquê de tanta euforia em torno desta composição de Carlos Paião para Amália Rodrigues. O Senhor Extraterrestre é, nada mais nada menos, a prova de que o fado não tem que ser uma canção necessariamente triste. Nem sequer séria. Já sabíamos que há certo fado mais alegre, gozão, até. Mas ouvir a grande Amália contar a história do seu encontro com um tipo verde é qualquer coisa.
Lia ontem um crítico da Time Out dizer, a propósito do novo álbum dos Moonspell, que o que falta ao metal em geral, e à banda portuguesa em particular, é a capacidade de fazer humor. Dizia ele que Fernando Ribeiro deveria cantar mais temas como Abram Alas Para o Noddy.
Não discordo.
A música é um meio de expressão, e ninguém está sempre feliz ou sempre deprimido. Os bons álbuns e os bons músicos são capazes de mostrar esses altos e baixos da vida com coerência.
E se me perguntarem se é coerente os Moonspell cantarem o tema do Noddy e Alma Mater, direi que sim. E se me perguntarem se é coerente Amália cantar Povo que Lavas no Rio e O Senhor Extraterrestre, direi que sim. Porque a vida é mesmo assim.
E na vida surpreendentes encontros acontecem.
Como este, entre Amália Rodrigues e O Senhor Extraterrestre.
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"Já está de chaves na mão?
Vai voltar p'ro avião?
Espere, já ali estão
umas sandes p'ra viagem
E o Senhor Extraterrestre
Viu-se um pouco atrapalhado
quis falar mais disse pi
estava mal sintonizado
mexeu lá no botãozinho
só p'ra dizer: Deus lhe pague.
Eu dei-lhe um copo de vinho
e lá foi no seu caminho
que era um pouco em ziguezague."
1 comentário:
Uma música fenomenal e verdadeiramente portuguesa ... o vocabulário e o sentimento associados são totalmente lusitanos ;)
Sinto orgulho em ser portuguesa quando oiço estas pérolas!
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