terça-feira, 24 de novembro de 2009

Mayer Hawthorne - Just Ain't Gonna Work Out (2008)

Era sexta-feira 13. Sem pensar sequer em superstições ou azares, fiz o meu percurso habitual para o trabalho, em modo quase automático. Mas nessa sexta não passei, como costuma ser hábito, pela papelaria da estação de metro. Passei as cancelas, esperei os habituais segundos pelo metro, sentei-me, mas não pus os phones nos ouvidos. Não tinha jornal para ler, nem música para ouvir. Nesta distracção do nada fazer, falhei a estação de saída, e em vez de ter descido na Baixa, como todos os dias faço, fui dar um breve passeio até à estação de Santa Apolónia.

Nessa sexta-feira 13, o Ípsilon escrevia sobre Mayer Hawthorne. Não comprei o jornal nessa manhã. Nos dias seguintes, passei pelo site do suplemento e, como sempre, reparei nos títulos principais (ler a sério, só no papel e a bordo do metro). O nome não me dizia nada. Retive as palavras "crooner" e "soul clássica", "copo de leite", "coração negro" e a imagem engraçada do músico americano. Não li o artigo logo. De cada vez que entrava no site, uma expressão diferente saltava à vista. Uma noite "o branco mais preto de 2009" bateu-me nos olhos. Juntei a engraçada frase às excelentes referências (o melhor disco de soul, o descendente da Motown, Whinehouse versão masculina...) e nessa noite não resisti e li o artigo e procurei logo a página Myspace de Hawthorne.

Já não terminei de ler. Fiquei completamente rendida. A tudo. Mayer Hawthorne é mesmo um branco com alma de negro - os grandes da melhor tradição Motown. Faz soul clássica, mas não está preso ao passado. A música deste americano - que também é Dj, rapper, engenheiro de som, multi-instrumentista e produtor - soa a hoje. A um hoje que pisca o olho aqui e ali. Maybe So, Maybe No faz me querer dançar, este Just Ain't Gonna Work Out já está entranhado ao ponto de dar comigo a cantarolar histórias de desgraças amorosas como se isso fosse a coisa mais bela do mundo. É que na voz de Hawthorne é mesmo a coisa mais bela do mundo. Há charme, mas não em demasia e a figura do música contraria toda aquela ideia gasta do Don Juan.

Hoje parece que tudo o que é old school é moderno. Nem tudo. Mas em Hawthorne, o facto de fazer as coisas à moda antiga também me conquistou: primeiro vêm os singles, em vinil, como manda(va) a tradição. E se um 7 polegadas em forma de coração, bem vermelho, pode parecer coisa pirosa, meus amigos, pelas mãos de Hawthorne qualquer resquício de coisa kitsch e demodé vai à vida.

Usar risco ao lado, colete, fato, gravata, óculos grandes de massa, ser branquinho, low-profile, lançar singles em vinil (em forma de coração ou a imitar pele de corcodilo), falar com todas as letras de amores e desamores, voltou a ser não só muito cool, como deliciosamente sexy!

Com Mayer Hawthorne.


Eu já encomendei toda a discografia. Vinil em forma de coração incluído. Aconselho toda a gente a fazer o mesmo.

Just Ain't Gonna Work Out, Mayer Hawthorne. Quero este homem em Portugal! Já!

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"Don't wanna see your tears
Baby it will be ok
Don't wanna see you cry darling
No way!
But it just don't feel the same
(just don't feel the same)
I know what you're about
(I know what you're about)
And I guess that I don't love you anymore

And I'm sorry, but it just ain't working out
I'm sorry, it just ain't gonna work out"

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Bob Dylan - Blowin' In The Wind (1962)

Em 1962 Bob Dylan escreveu Blowin' in the Wind. Ou melhor, não escreveu. A canção já lá estava, quando ele chegou, disse, da primeira vez que a apresentou ao vivo.

Hoje, quase 50 anos depois, ouço a canção numa rádio on-line. Não consigo. Tenho de parar o que estou a fazer para ouvi-la com atenção, uma vez mais. Atento em cada verso.

À medida que as perguntas se sucedem, sinto-as como minhas. Não há ninguém que não as tenha feito. São as perguntas que, conforme embatem, são capazes de magoar, de rasgar. São as perguntas que fazemos para dentro e as que fazemos ao mundo. São as perguntas constantes, eternamente perguntas. Podem parecer retóricas, mas não as queremos assim. Levamos as mãos à cabeça e formulamo-las outra e outra vez. Cada vez mais interrogativas, à medida que se repetem são assim estas perguntas.

E a resposta, meus amigos... A resposta, essa... A resposta... is blowin' in the wind.

Para o caso de haver uma única alma em dúvida, mais uma oportunidade para perceber que se fala de um génio quando se fala em Bob Dylan.

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"How many roads must a man walk down
Before you call him a man?
Yes, 'n' how many seas must a white dove sail
Before she sleeps in the sand?
Yes, 'n' how many times must the cannon balls fly
Before they're forever banned?
The answer, my friend, is blowin' in the wind,
The answer is blowin' in the wind.

How many years can a mountain exist
Before it's washed to the sea?
Yes, 'n' how many years can some people exist
Before they're allowed to be free?
Yes, 'n' how many times can a man turn his head,
Pretending he just doesn't see?
The answer, my friend, is blowin' in the wind,
The answer is blowin' in the wind.

How many times must a man look up
Before he can see the sky?
Yes, 'n' how many ears must one man have
Before he can hear people cry?
Yes, 'n' how many deaths will it take till he knows
That too many people have died?
The answer, my friend, is blowin' in the wind,
The answer is blowin' in the wind."

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Charles Wright & The Watts 103rd Street Rythm Band - Express Yourself (1971)

No final dos anos 60, e em plena década de 70, depois dos hippies, a mensagem de liberdade veio da voz e do suor da comunidade afro-americana. Talvez não tenha sido uma revolução tão política, como foi a dos hippies, mas o funk fez a revolução do corpo. Tanto por explorar ritmos que se infiltram nos corpos e os fazem dançar de todas as maneiras e feitos, como pelas mensagens que passa: faz aquilo que tens que fazer. Aquilo que gostas. Solta-te.

Para mim, toda a essência da mensagem funk está neste Express Yourself, embora não seja o mais efusivo dos clássicos do género. É que está lá tudo. O assumir de uma sexualidade que faz bem, o reconhecimento (e mais que isso...) do corpo, a liberdade de se ser quem é e de o dizer sem preconceitos. É um hino à tua liberdade mais íntima, àquela que, nestes tempos tão modernos, parece ficar esquecida, relegada para segundo plano. Somos livres, democraticamente livres, legalmente livres, mas nem todos conseguimos o prodígio de sermos livres connosco próprios. O funk é isso.

Também é ritmo, também é dançar até que os pés doam e o suor escorra pela cara e pelas costas abaixo, também é libertação do corpo e da mente. Também, também...

Express Yourself, de Charles Wright, não é um pedido. É uma ordem.

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"Some people have everything, and other people don't.
But everything don’t mean a thing if it ain´t the thing you want.
Express yourself!"

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Não podia deixar de lembrar aqui a perda que foi a morte inesperada de António Sérgio. Foi também por causa dele e da sua Hora do Lobo que me apaixonei pela rádio, que me apaixonei cada vez mais por música e pela divulgação. Talvez a única forma verdadeiramente digna de se lhe prestar homenagem, para além de todas as palavras, é continuarmos todos a ouvir e a apoiar a boa música que se faz, aqui e ali.