segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Xutos & Pontapés - Não Sou o Único (1987)

No sábado estive no Restelo. Eu e mais de 40 mil pessoas. Para ver os Xutos & Pontapés.

Quando entrei o emaranhado de gente já passava - e muito - do meio campo. Furámos por entre o público mais ecléctico que se possa imaginar. Novos, velhos, de preto, de branco, com maquilhagem ou suor no rosto, com copos de cerveja ou tubos de pasta de vodka na mão, uns pequeninos pelas mãos dos pais, uns sentados no chão, outros de pé, muitos lenços vermelhos, brancos e laranja, muitas t-shirts, bandeiras e bóias. Cheiro a tabaco, charros, transpiração e álcool. Muitos repetentes, poucos estreantes. Uns mais no espírito que outros.

Ficámos junto ao prolongamento do palco. Eu e o meu irmão fazíamos apostas sobre a canção de abertura. Concordámos que seria do novo e homónimo álbum. Talvez não fosse o single, muito menos seria Sem Eira Nem Beira, que só podia estar guardada lá mais para a frente. Apostei em Tetris Anónimus. O Fábio ganhou. Afinal foi mesmo Quem é Quem que abriu a noite.

O que se passou nas 3 horas seguintes nem toda a gente entende. Só quem cresceu a ouvir os Xutos é que percebe o que se sente ali no meio. Não é preciso ter estado lá, na cave, em 79. É preciso ter crescido ao som disto, tenha sido nos anos 70, 80, 90 ou 2000.

Já perdi a conta às horas que passei a ouvir os discos, os concertos a que fui, as coisas que li. Não há outra banda que me diga mais. Das canções mais antigas às mais recentes, estão lá muitos episódios, muitos ideiais partilhados, muitas histórias de vida, muitas preocupações, muitos desabafos. Está lá isso tudo. Quantas vezes não pensei na Morte Lenta, no Medo, nas palavras de Quando Eu Morrer rabiscadas nos cadernos da escola? Comigo também era sempre assim: eu sei lutar até ao fim, é tudo ou nada, como na canção que eu adorava ouvir também na voz do Tó Trips, dos Lulu Blind.

Mais tarde senti o que era a vontade de embarcar nos Barcos Gregos: faltava-me o ar, faltava-me o emprego p'ra cá ficar. Por vezes vi a vida torta, jamais se endireitava, como num Circo de Feras. Apaixonei-me vezes sem conta ao som de Conta-me Histórias. Ainda hoje não conheço versos tão sábios como os do Homem do Leme. Vi tantos filhos da puta sem razão e sem sentido nesta cidade, quis deixar a carga pronta e metida nos contentores. Disse Olá à vida Malvada, aprendi a tocar guitarra com N'América. Quis tudo À Minha Maneira, fiz filmes inspirados em Enquanto a Noite Cai, arrepiava-me com Doçuras. Diverti-me com Para Ti Maria e Sou Bom. Chorei muitas vezes ao constatar que vivia num Pêndulo imparável. Gritei Gritos Mudos, acreditei num Futuro Que Era Brilhante. Acordei em Lugar Nenhum tantas vezes, apanhei tanta chuva dissolvente no meu caminho de casa... Ainda hoje acho que está tudo mal, tudo mal, que a política está em estado de Estupidez, que o dinheiro para mim não conta, eu trabalho por prazer, mas também sabe bem ter um ordenado ao fim do mês, um dia de S. Receber. Fui uma ovelha negra, carneiro preto, fui direito ao deserto. Já não tenho paciência para as misérias de quem manda nesta terra do sem-querer, nem para jogos do empurra. Dei muitos mergulhos no mar e espero continuar a dar. Vi o panóptico das aulas da faculdade em Privacidade. Tantas e tantas vezes senti que tinha chegado o momento de correr tanto ou mais que o vento, de correr tanto ao mais que o tempo... ah, mas não foi assim. Desci ao Inferno, vi o Mundo Ao Contrário, passei pela Zona Limite, projectei a minha própria Sombra Colorida. Pensei para comigo que na verdade eu não sou de cá, vivo em permanente Estado de Dúvida, e não há nada melhor que o Amor Com Paixão. Vejo Sócrates e todos os outros políticos em Sem Eira Nem Beira.

Sei que não sou um caso isolado, não sou a única. Não!

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"Pensas que eu sou um caso isolado
Não sou o único a olhar o céu
A ouvir os conselhos dos outros
E sempre a cair nos buracos
A desejar o que não tive
Agarrado ao que não tenho
Não, não sou o único
Não sou o único a olhar o céu"

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Amália Hoje - Gaivota (2009)

Ainda hesitei. Sempre quis que este 1 Música Por Dia fosse desse espaço àquelas coisas que eu considero essenciais de ouvir. São as minhas opiniões, o lado crítico e pessoal da minha relação com a música. Não evito falar mal. Mas há tanta coisa que eu considero essencial na minha lista de espera - coisas sobre as quais eu quero tanto falar - que nunca quis "perder tempo" a escrever sobre projectos que não me tocam ou, simplesmente, que não gosto.

Hoje vou quebrar essa minha regra pessoal e vou escrever sobre uma coisa de que, definitivamente, não consigo gostar. Abro a excepção aos Amália Hoje - ou só Hoje - , por culpa do Rui Miguel Abreu, que hoje assina um excelente artigo na Blitz deste mês.

Vamos por partes. Não fui daquelas pessoas que condenou à partida o projecto - porque estaria a trair a obra de Amália ou por outras razões igualmente tradicionalistas. Só comecei a não gostar de Amália Hoje quando ouvi pela primeira vez Gaivota. Uma ideia que à partida não é má de todo - a de resgatar a obra de uma figura de proa da música portuguesa - peca, de resto, em quase tudo. Nos arranjos, que não são de hoje nem de ontem, muito - demasiado - à là Gift, na dificuldade em encontrar o registo certo, até na imagem a banda exagerou.

Fiquei desiludida, ao conhecer melhor o projecto. Porque teriam Paulo Praça, Sónia Tavares e Fernando Ribeiro embarcado num projecto que, parece-me, diz-lhes tanto a eles quanto a mim? Porquê fazer algo que - e nota-se a milhas - os deixa desconfortáveis, rígidos? A dúvida assolou-me ainda mais quando comecei a ver a escalada de popularidade que os Hoje começavam: vendas estrondosas, concertos esgotados em salas gigantescas. Apesar de tudo, não conseguia gostar de nada ali.

Hoje percebi. Ou melhor, confirmei suspeitas. Rui Miguel Abreu fez aquilo que eu tinha vontade de fazer há já algum tempo: entrevistou não só a banda como uma representante da Valentim de Carvalho, e responsável pelo projecto. Um trabalho brilhante, isento, que dá gosto ler.

E está lá tudo. Paula Homem, da Valentim, explica como surgiu a ideia, associada a uma necessidade de marketing para vender um filme sobre Amália à camada mais jovem. Nuno Gonçalves, o produtor, confessa que não ficou convencido quando lhe encomendaram o projecto. Não percebia nada de fado, não conhecia a discografia de Amália. Tal como Sónia Tavares, que entrou na aventura nas mesmas (e ingénuas) condições. A cantora dos Gift diz mesmo que a ideia foi difícil de entranhar e que não gostou das ideias inicialmente propostas por Nuno Gonçalves. Só Fernando Ribeiro estava mais próximo da obra de Amália, mais igualmente afastado do objectivo pop da Valentim de Carvalho.

"Na conversa com os músicos e editores deste projecto, ninguém tenta passar a ideia dos Hoje serem um projecto natural, nascido devido ao amor comum a uma causa ou a uma obra. Pelo contrário, a ideia que vai passando nos discursos de cada um dos intervenientes é precisamente contrária, de alguma resistência em abraçar o projecto", constata Rui Miguel Abreu, a linhas tantas. Eu acrescentaria que isso se ouve em cada tema do álbum. Tudo ali me soa a encomenda, a algo pouco natural, a um sacrifício feito em nome de mais um desafio superado. Não vejo ali Amália, não vejo ali nada de novo, nem de interessante. Os arranjos não me tocam, não vejo sentimento naquelas vozes nem naquelas notas, nem naqueles ambientes tão orquestrais. Não vejo o hoje nem o ontem. Não vejo sequer um objectivo, quanto mais artístico (o de dar a conhecer Amália, o de revisitar a obra, o de criar algo de novo a partir de algo que se admira).

Mas não posso deixar de louvar a disponibilidade destes músicos para mostrar todas as fragilidades do projecto, as dificuldades, as incertezas, a ingenuidade, e, claro, a perspicácia e profissionalismo do jornalista. Talvez agora os entenda melhor, embora continue a achar - e cada vez mais - que é um projecto infeliz e vazio, do ponto de vista artístico. Porque do ponto de vista comercial, está longe de ser um fracasso.

Amália Hoje é um (im)perfeito coração, como disse uma vez um crítico. Mas é sem dúvida um perfeito plano de marketing.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

The Vaselines - Son Of A Gun (1987)

Sei que não fui a única a conhecer os Vaselines através dos Nirvana e de covers de canções como este Son Of A Gun. Até hoje - o dia em que me chegou às mãos a deluxe edition de Enter The Vaselines, o duplo álbum com toda a discografia remasterizada e alguns bónus da banda de Eugene Kelly e Frances McKee - ainda não consegui entender como é que os Vaselines passaram despercebidos e constam tão ao de leve na história da música indie.

Não fosse Kurt Cobain, fã confesso da dupla escocesa, talvez os Vaselines não tivessem chegado a tanta gente. (A propósito, quantas bandas fizeram questão de revisitar bandas improváveis e pouco conhecidas e até de levá-las a subir ao palco?)

E o que é que os Vaselines têm? Para além de duas vozes transbordantes de carisma por, precisamente, estarem-se completamente nas tintas para o carisma; para além da irónica ingenuidade com que falam de sexo; para além das buzinas em Molly's Lips; da frontalidade absolutamente desarmante de Rory Rides Me Raw; da pronúncia fazer transformar "ugly" em "uguly"; das guitarras ora garage ora mais country; do ritmo frenético e viciante de Dum Dum; da sonoridade crua vinda directamente da garagem; para além disto, os Vaselines têm tudo. É aquela coisa a que alguns chamam honestidade. Ou verdade.

Foi certamente por isso que Cobain disse um dia que Kelly e McKee eram os melhores compositores de sempre.

The Vaselines, Son of a Gun.

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"The sun shines in the bedroom when you play,

And the raining always starts when you go away."

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Jazzanova & Phonte - Look What You're Doin' To Me (2008)

Miguel Esteves Cardoso não está sozinho quando diz que sente uma curiosidade incontrolável quando vê alguém de phones nos ouvidos, ao entrar no metro. Eu também partilho dessa forte sensação.

Voltei esta semana ao trabalho e, consequentemente, às viagens de metro. Entro, sento-me, às vezes também eu ponho os phones nos ouvidos, mas quando não ponho não consigo evitar: deixo-me levar pela imaginção e faço apostas sobre o que é que os dois passageiros da frente e o que ocupa o lugar mesmo a meu lado estão a ouvir nos seus leitores. Porque são poucos aqueles que viajam sem música. Aposto que o rapaz de barba mal semeada, mala a tiracolo, camisa às riscas e ténis gastos ouve as últimas do indie-pop. Que descobertas terá ele feito nas últimas semanas? A rapariga que encontro dia sim, dia não na estação da Pontinha - de cabelo muito preto e liso, unhas inpecavelmente pintadas, cores vibrantes e roupas da moda - deverá ouvir as novas tendências da pop e do r&b. Será mesmo assim? Nunca consigo descobrir. A viagem chega ao fim e eu não sei o que os outros ouvem e ninguém saberá aquilo que ouço todos os dias durante aquele percurso.

A internet é a casa de chocolate dos melómanos gulosos. Basta passar pelo Myspace, pelos blogues e revistas on-line para se encontrar música nova. Já não é preciso esperar pelos programas de autor que passavam a altas horas nas rádios, já não é preciso estar atento ao crítico X ou Y, já nem é preciso ir ver as novidades às lojas.

Mas ninguém me tira aquela ideia (acho que a roubei também do MEC, na altura no Blitz) de nos sentarmos no tapete da sala, ao pé de aparelhagem, com pilhas de discos de um lado e um amigo curioso do outro. O tapete pode até ser virtual, em vez de Cds, vinis e cassetes empilhados podemos ter links e ficheiros mp3, se a ideia original for demasiado exigente.

Como me disse o Henrique Amaro certa vez, o divulgador hoje pode ser qualquer pessoa. Pode ser um amigo que te apresenta uma música no rádio do carro ou de casa ou até no computador. Pode ser o locutor de rádio. Pode ser o crítico musical num jornal de referência. Pode ser um anúncio de televisão ou um filme. Pode ser uma coincidência. Pode estar a teu lado no metro.

E também pode ser outro músico. Nos últimos tempos tenho feito descobertas muito interessantes através de colaborações entre músicos. Dificilmente prestaria atenção ao trabalho do rapper/soulman Phonte Coleman se não me tivesse apaixonado por este Look What You're Doin' To Me, de Of All The Things, o último álbum dos Jazzanova. E isto é só um exemplo tosco.

Jazzanova, Look What You're Doin' To Me.

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"And when the day comes and everybody's gone,
You can call me a friend
I'll be here for your new beginnings and I'll be here in the end...

Gonna tell the world I love you, baby girl
Shout it out in the streets
Gonna talk about the joy you bring me, girl
Look what you're doin' to me."