quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Amália Hoje - Gaivota (2009)

Ainda hesitei. Sempre quis que este 1 Música Por Dia fosse desse espaço àquelas coisas que eu considero essenciais de ouvir. São as minhas opiniões, o lado crítico e pessoal da minha relação com a música. Não evito falar mal. Mas há tanta coisa que eu considero essencial na minha lista de espera - coisas sobre as quais eu quero tanto falar - que nunca quis "perder tempo" a escrever sobre projectos que não me tocam ou, simplesmente, que não gosto.

Hoje vou quebrar essa minha regra pessoal e vou escrever sobre uma coisa de que, definitivamente, não consigo gostar. Abro a excepção aos Amália Hoje - ou só Hoje - , por culpa do Rui Miguel Abreu, que hoje assina um excelente artigo na Blitz deste mês.

Vamos por partes. Não fui daquelas pessoas que condenou à partida o projecto - porque estaria a trair a obra de Amália ou por outras razões igualmente tradicionalistas. Só comecei a não gostar de Amália Hoje quando ouvi pela primeira vez Gaivota. Uma ideia que à partida não é má de todo - a de resgatar a obra de uma figura de proa da música portuguesa - peca, de resto, em quase tudo. Nos arranjos, que não são de hoje nem de ontem, muito - demasiado - à là Gift, na dificuldade em encontrar o registo certo, até na imagem a banda exagerou.

Fiquei desiludida, ao conhecer melhor o projecto. Porque teriam Paulo Praça, Sónia Tavares e Fernando Ribeiro embarcado num projecto que, parece-me, diz-lhes tanto a eles quanto a mim? Porquê fazer algo que - e nota-se a milhas - os deixa desconfortáveis, rígidos? A dúvida assolou-me ainda mais quando comecei a ver a escalada de popularidade que os Hoje começavam: vendas estrondosas, concertos esgotados em salas gigantescas. Apesar de tudo, não conseguia gostar de nada ali.

Hoje percebi. Ou melhor, confirmei suspeitas. Rui Miguel Abreu fez aquilo que eu tinha vontade de fazer há já algum tempo: entrevistou não só a banda como uma representante da Valentim de Carvalho, e responsável pelo projecto. Um trabalho brilhante, isento, que dá gosto ler.

E está lá tudo. Paula Homem, da Valentim, explica como surgiu a ideia, associada a uma necessidade de marketing para vender um filme sobre Amália à camada mais jovem. Nuno Gonçalves, o produtor, confessa que não ficou convencido quando lhe encomendaram o projecto. Não percebia nada de fado, não conhecia a discografia de Amália. Tal como Sónia Tavares, que entrou na aventura nas mesmas (e ingénuas) condições. A cantora dos Gift diz mesmo que a ideia foi difícil de entranhar e que não gostou das ideias inicialmente propostas por Nuno Gonçalves. Só Fernando Ribeiro estava mais próximo da obra de Amália, mais igualmente afastado do objectivo pop da Valentim de Carvalho.

"Na conversa com os músicos e editores deste projecto, ninguém tenta passar a ideia dos Hoje serem um projecto natural, nascido devido ao amor comum a uma causa ou a uma obra. Pelo contrário, a ideia que vai passando nos discursos de cada um dos intervenientes é precisamente contrária, de alguma resistência em abraçar o projecto", constata Rui Miguel Abreu, a linhas tantas. Eu acrescentaria que isso se ouve em cada tema do álbum. Tudo ali me soa a encomenda, a algo pouco natural, a um sacrifício feito em nome de mais um desafio superado. Não vejo ali Amália, não vejo ali nada de novo, nem de interessante. Os arranjos não me tocam, não vejo sentimento naquelas vozes nem naquelas notas, nem naqueles ambientes tão orquestrais. Não vejo o hoje nem o ontem. Não vejo sequer um objectivo, quanto mais artístico (o de dar a conhecer Amália, o de revisitar a obra, o de criar algo de novo a partir de algo que se admira).

Mas não posso deixar de louvar a disponibilidade destes músicos para mostrar todas as fragilidades do projecto, as dificuldades, as incertezas, a ingenuidade, e, claro, a perspicácia e profissionalismo do jornalista. Talvez agora os entenda melhor, embora continue a achar - e cada vez mais - que é um projecto infeliz e vazio, do ponto de vista artístico. Porque do ponto de vista comercial, está longe de ser um fracasso.

Amália Hoje é um (im)perfeito coração, como disse uma vez um crítico. Mas é sem dúvida um perfeito plano de marketing.

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