quarta-feira, 5 de março de 2008

The Velvet Underground - Venus in Furs (1967)

Há uma imagem particularmente forte em Last Days, de Gus Van Sant.

O grupo de amigos (?) de Blake (o Kurt Cobain de Van Sant) chega a casa no estado pouco sóbrio que caracteriza todo o filme. Enquanto três deles se envolvem aleatoriamente, o outro dirige-se ao gira-discos e põe um vinil a tocar. Senta-se, alheio ao envolvimento por trás dele, tira o gorro de lã e, inerte, começa a cantar. Severin, Severin...

A canção é Venus in Furs, dos Velvet Undergound.

A banda liderada por Lou Reed e subsidiada por Andy Warhol marcou a música de forma muito particular. Quando em 1967 lançam The Velvet Underground & Nico, o disco "da banana", ninguém sonhou - muito menos os membros da banda - a influência que teria em músicos como David Bowie ou Iggy Pop.

Os Velvet Underground levaram à letra a sua designação, e nunca tiveram grande sucesso comercial. Nem o quiseram. A sonoridade e o experimentalismo com que faziam música estavam décadas bem à frente do seu tempo.

Os conflitos internos eram notórios. Nico (voz) nunca foi considerada parte integrante da banda, daí o título dado ao primeiro disco. Andy Warhol seria "despedido" em 1968.

Venus in Furs não é uma canção "fácil", ainda hoje. Como, de resto, toda a discografia dos Velvet Underground. A sonoridade da banda é de um psicadelismo bastante denso e as letras abordam temas difíceis de "ingerir", mesmo nos dias que correm.

A minha proposta para hoje tem como tema mais imediato o sadomasoquismo, mas parece-me ir muito além disso. E em Last Days, Venus in Furs intensifica ainda mais a cena. Lou Reed, como já disse aqui, canta como se falasse consigo mesmo, às vezes arrasta as palavras. Dá-lhes estranhas entoações, sem se preocupar com um estilo. Os outros músicos também. Tocam como se tocassem para o seu próprio umbigo. Parece que nada importa.

Assim é também o espírito da(s) personagem(s) de Gus Van Sant. Ali sentado, gorro de lã entre as mãos, imóvel, acompanha Lou Reed com a mesma leveza. Às vezes franze o rosto, mas só quando diz(em) que está cansado, que poderia dormir mil anos seguidos. Nada importa. Lá atrás, o roçar de corpos, despreocupado. E com a mesma despreocupação se levanta, vai até à cozinha, diz uma série de disparates, para depois voltar, à mesma posição. Severin, Severin...

E depois engana-se no verso, com a mesma serenidade apática. ... speak so sweetly...


Venus in Furs, The Velvet Underground. Arrepiante.


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"I am tired, I am weary,
I could sleep for a thousand years,
A thousand dreams that would awake me,
Different colors made of tears"

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